Friday, August 7, 2009

I

. I


Não sei qual é o caminho. Procuro tantas coisas que não sei onde procurar ou como encontrar. Como um abismo que se encontra a teus pés, deixas de sentir o chão e a única saída é um derradeiro passo em frente. Como um beco onde páras e não consegues olhar para trás, não consegues ver o caminho anterior. Não há mais um caminho anterior.
Tal como todas as coisas efémeras, isto.
Estou cansada. Cansada de tudo. Cansada de um cansaço que não cabe na própria palavra. Farta. Farta de tanto e de tão pouco. Tento libertar-me de correntes antigas e poeirentas que teimam em prender-me no buraco onde me encontro.
Aos poucos, descubro que procuro por algo que é impossível no mais impossível dos actos. Em tudo o que possa ser inimaginável, doloroso como um ardor que parece não ter fim, tu já estiveste lá. De alguma forma, continuas a permancer no meu pensamento da pior forma possível: o permaneceres.
O simples facto de eu conhecer a tua existência sem nunca teres sido quem realmente eras - pelo menos, não para mim. Hoje, sei que não sei quem és. Agora, mais que nunca, sei que desconheço a pessoa que foste. A que conheci, perdi-a e não sei como voltar a encontrá-la. Provavelmente, já a encontrei noutras pessoas que de alguma maneira representaram parte daquilo que representaste. Mas, como tudo o que depressa desperta, cedo morre, assim morreu qualquer coisa que até hoje não sei o que foi, se algum dia o terá sido.
É imaginar qualquer coisa que não se pode pôr em palavras pois elas não sabem transmiti-lo na sua totalidade, por mais que tentemos encontrar as que o façam melhor. É indiscritivel, é um dia de nulidade que nos preenche graças à existência de dois caminhos: os nossos.
A impossibilidade desses caminhos. O risco. O pisar desse risco e as dolorosas pegadas que se seguiram. O saber de acordar e tomar tudo o que existiu até agora, por garantido. Arrisco-me a dizer, por eterno. E o não saber explicar que, embora saibamos que essas coisas não existem, que não passam de simples quimeras com conotações utópicas, elas nada se comparavam aos que julgávamos ser real. Talvez devesse falar no singular. Essa é a verdade.
Fizeste-me pôr em duvida o significado da palavra ‘existir-mos’. A partir daí, tudo passaria a ser uma dúvida. As palavras, os sussurros, as indirectas, os olhares, as promessas, os momentos. Nós. Nós não passámos de algo tão impossível e irreal como dois sóis ou duas luas. Tu e tudo em ti, uma mentira.
Tão grande. Tão irreal que, só todo este tempo depois de tudo o que haviamos começado, me apercebi. Tão impossível quanto a tua falta de capacidade para me dizer tudo aquilo que nunca me dirás. Nem naquele momento, nem ontem, nem agora. Nunca. Tal como a sensação que tinha ao pensar-te. E ainda assim, me relembro disto a cada instante: As palavras, os sussurros, as indirectas, os olhares, as promessas e os momentos, não foram conseguidos graças a ti, mas a alguém por quem daria muito naquela altura. Essa pessoa não és tu. A ti, eu tentei dar-te, mas tu rejeitaste. Rejeitaste tudo o que fui capaz de ser. Rejeitaste-me. Rejeitavas até a ti próprio. Mas não foste capaz de não rejeitar uma mentira que destronaria qualquer tipo de pegada feita por mim, no teu caminho. Não lutaste, não quiseste mais saber. Odeio-te por isso. Odeio-te e, ainda assim não te quero mal, ao contrário de tudo o que me desejas. Tentei mostrar-te a realidade que não quiseste ver. Tentei levar-te de volta ao início. Tentei o que pude. E sei que tentei. Mas preferiste nem sequer olhar para trás. Limitaste-te a seguir em frente e caminhar pela estrada da ignorância. Caminhaste até tentares encontrar-me noutra pessoa, sei disso. Hoje, finges desconhecer a minha existência. E fizeste-o até que reconhecesse que não sabia quem tu eras.
Espero que algum dia te encontres, pois eu, jamais te encontrarei.

E quem sou eu, afinal?

Quem sou...

Sou uma alma que vagueia sem rumo, um espírito que flutua por entre as rasteiras da vida. Sou uma vida, e alma, e espírito.
De mim não espero nada senão a certeza de que amanhã acordarei como acordei hoje, com objectivos, crenças e vontade de continuar.
Mas da rotina nada espero, nem quero. Tento reinventar-me a cada dia, a cada hora, na esperança de não tornar o quotidiano em dias idênticos, pelo contrário;
Procuro fazer com que cada dia ganhe sentido e significado próprios, como se a cada dia fosse por mim atribuído um tema...
Sou sonhadora, gosto de sonhar alto, nao tenho medo de cair! =)
Quem cai, acaba por levantar-se. Com mais ou menos dificuldade, mas levantantando-se sempre ;)
Sou uma jovem e pequena mulher que acima de tudo quer continuar esta viagem sem destino conhecido e, chegar ao caminho onde possa ler uma sinal que diga “Chegaste”.

Hoje

Hoje, é um dia como outro qualquer. Hoje acordei, tal como o faço há umas quantas primaveras. Decidi que, ainda que hoje não parecesse ser o dia ideal para tomar decisões, algo vai mudar. Não o decidi por ser hoje, mas calhou ter sido. E assim foi.
As coisas especiais passam a ser relativas mediante o tempo e o espaço onde estão englobadas. Quis assim, que hoje estivesse englobado em todo o sempre. Assim como desejaria que todos os dias estivessem. Como se fossem catalogados, determinados para serem únicos, como o são. Mas mais que o serem únicos, deveriam ser realmente tidos como tal.

Porque nenhum deles se voltará a repetir.


Às vezes, preferimos esperar pelos momentos certos para actuarmos, agirmos perante algo. E se esse momento não chegar nunca? E se nada for tido como certo ou garantido, quando irei eu finalmente decidir alguma coisa?

As decisões, escolhas, planos, ambições, sonhos... Tudo isso, é decidido por nós.
O tempo e o espaço não passam, no fundo, de meros factores dispensáveis às nossas decisões verdadeiramente importantes. Somos nós quem atribui a devida importância a tudo o que nos rodeia.
Decidi que queria ser feliz. Não sei qual a probabilidade de o conseguir. Mas não quero reflectir muito sobre isso. Quero agir e fazer com que isso aconteça, sem ter de reflectir muito, pois a reflexão pode conduzir ao alcance de linhas de pensamento que nos conduzem automáticamente a delimitações ou à consciêncialização de meras hipóteses.

Quero apenas ser feliz. Não sendo ignorante, não descuidando de tudo o que aprendi até hoje; não esquecendo nunca quem sou. Quero procurar o porquê de estar aqui. Mais do que isso, quero ser EU a dar um porquê ao ‘estar aqui’. Se calhar não precisamos de especificar ou simplificar quaisquer tipos de plano para que tomemos um caminho que nos pareça conduzir mais fácilmente à felicidade. E se não há um caminho? E se todos os caminhos nos conduzirem a ela?

No fundo, acredito que sejamos nós quem cria labirintos infinitos que nos afastam da nossa própria busca. A mente pode ser como um labirinto. Uma vez entrando, procuramos o caminho, já dentro do labirinto. Sendo fora desse labirinto, onde deveria ter sido inicialmente procurado. O caminho. Talvez sejamos nós que o traçamos.
Entre tantas dúvidas, creio que vale a pena acreditar que sim.

Decidi que quero sorrir mais e viver despreocupada. Quero viver, rir e abstrair-me. Quero conversar sobre coisas interessantes e mandar palpites acerca de algo que não faça o menor sentido.

Quero conviver, conhecer, explorar. Quero ser feliz.

Temo recear mais que sonhar. Mas sonho porque acredito que haja algo, que embora ainda não saiba o que é ou o que possa ser, dará sentido ao que hoje procuro e não encontro. Algo que, noutro dia, amanhã ou depois, ou depois, me dê motivos para que diga ‘HOJE sou feliz. Ontem não saberia. Amanhã, não sei se continuarei. Mas posso afirmar que HOJE sou feliz’. E sei que um dia, haverá um ‘hoje’, tal como outro qualquer, tal como o dia de hoje. Um hoje onde pronunciarei tais palavras. Um hoje onde gritarei mais alto, tão alto que nem os meus tímpanos suportarão tal vibração de alegria, contentamento, emoção. Enquanto esse dia não chegar... Faço com que vá chegando, todos os dias, um pouco desse dia. E quem sabe se amanhã não será o ‘hoje’ que, hoje idealizo.

Pó II

De repente, começaste a ganhar uma forma.
Ou talvez não.
A cinza de que és feito desvanece-se e volta a formar-se.
O pó de onde vens também está na minha origem.

Quando te imagino, não penso, voo.
Enquanto te penso, não espero e procuro.
Procuro por entre tudo o que possa ser ou estar
Como um obstáculo imaginário
Criado por mim
Limitado por mim.
A adaptação a um novo tudo restabelece-se
E volta a desmoronar
Nasce
Para voltar a morrer
Como um ciclo vicioso
Que continua para além da vida
E para além dos Homens
E muito para além do que quer que seja que tenha sido feito para conseguir pará-lo.
Existo eu, aqui, e é só isso.
Tudo é o nada como sempre o foi.
Mas depois, existe um mas.
Uma dúvida, uma esperança
Quase feita de ingenuidade, pura
De um olhar de criança
Ou de uma lágrima que perdura.

Sinto-te e não te vejo. Quero tocar-te mas não te alcanço.
Devagar te tornas tão real para mim como invisível aos outros.
Escrevo-te agora
E tenho querido fazê-lo, há tanto.
Permaneces como quem já existiu e eu já te vi, antes de mim mesma.
Segredas-me ao ouvido, num ruído silencioso,
Este mar não é para ti.

Acalmas-me quando me encobres de vastidão e coisas vagas
Não entendo porquê, quando nem como
Vens e voltas. E voltas
Para voltar a partir
Partes por longos instantes
O tempo, que para ti é nada, limita-se a não existir
Como algo que foi inventado e é mentira
Como o saber que não existes para os outros.

Sinto-te aproximar e recuar
Quase sinto o cheiro do teu receio de voltar
Aproximas-te e afastas-te.
Como quem dança voando.

E fá-lo para não me magoar. No fundo, existes em mim
E para mim.
És invisível ao olhar alheio.
Mas quero que existas para o mundo.


Queria que tivesses cara e um corpo
E que fosses feito de pó
Para surgires num ser, como eu.
Sentir-te. Saber-te em todos os traços.
Ter-te a meu lado e ambos partirmos
Para voltarmos a ser feitos de pó.

carta à minha pessoa.

Quase oiço o tilintar de uma sirene enervante, que me chama, dentro de mim.
Quase sinto o palpitar de uma bomba relógio que está prestes a sumir-se do peito.
As horas. Os dias passam. E nada. Agora, neste momento. Posso escrever mil e uma, mil e duas coisas. E nada fará mais sentido do que esta mesma folha antes de ter sido escrita.

Decidi então escrever umas coisas sem sentido. Ou será que algo para além de mim o decidiu antes disso? O que é o meu ego? Quem decide, quem faz as minhas decisões?
Eu ou ele?

Chamar-lhe-ei assim, carta à minha pessoa. Leio, re-leio, vejo, re-vejo. Penso, falo e falo sem pensar. Tento distanciar-me do que mais me arrepia, do que me causa frio. Identifico-me com pequenas coisas que vejo e que passam. Coisas que não são suficientemente inesquecíveis. Coisas das quais desconheço a sua existência, em menos de cinco minutos. Apetece-me escrever e não me aptece. Quero várias coisas e não as quero. Não sei definir isso. Porque motivo alguém que não se declare como sendo ‘decidido’ ou ‘sabedor’ de algo, seja isso o que for, teima em saber tão bem o que o define?
Porque escrevo isto? Aqui e agora? O que me define, a mim? E o que define o meu ego?

Não me apetece respeitar a minha própria estrutura. (In)Terna Revolta. Lembro-me de ter dado esse nome a um dos meus textos. Olho para trás e não me revejo neles. ‘Terei mudado assim tanto?’, perguntaria à partida. E tudo é tão óbvio quanto esta última frase. Tudo é típico e esperado. Até o inesperado se torna esperado, fácil, prevísivel. Sei-o tanto como sei onde estarei daqui a 10 anos – ironia também vale.

E já que este texto não tem mesmo o menor sentido, decidi continuá-lo. Sim, porque continuá-lo não faria sentido. Continuando...
Como disse anteriormente (e esta é a parte em que, uma vez que só digo bacorada, repetindo-me), aptece-me desrespeitar todo e qualquer limite da minha própria racionalidade. Quero poder destruir os vestígios do que guardo e guardo e guardo para mim, há coisa de milhares e milhões de minutos, no meu pensamento. Não sei como fazê-lo sem ser assim, de rajada e sem coesão alguma. Não sei como não utilizar palavras ou expressões que fiquem mal num texto, como ‘ficam mal’ ou ‘de rajada’ ou ‘bacoradas’.
Não sei e espero continuar sem saber. Só porque me aptece – isto também soa mal, além de desrespeitar as minhas próprias regras. Nesse caso, penso estar, a pouco e pouco, a conseguir um progresso, uma subtil evolução em todas estas ‘bacoradas’.

Observo e mais tarde relembro, um homem de barba comprida cujo caximbo desaparece por entre a mesma, de cada vez que o enigmático senhor o leva à boca, uma mulher loira, de vestido preto e batom escarlate que se passeia ao vento, por entre uma multidão de gente que quase pára, deixando-a passar. Palavras soltas num livro de rua que outrora terá sido vendido por bem mais que cinco euros, um homem dá-me um encontrão. Aguardei um pedido de desculpa. E poderia ter aguardado uma vida inteira, pois ainda conheceria o céu ou o inferno sem que o amável senhor me pedisse aquelas desculpas.
Estava na hora de partir, continuar. E a multidão continuava, stressada aos olhares de uns, quase inexistente para outros. Um casal de namorados contemplava-se mutuamente, qual Romeu e Julieta encharcados de piercings e uma ou outra tatuagem mais visível. Para eles, aquela multidão era inexistente. Sobravam apenas ele e ela. À volta dele, estava ela. À volta dela, estava um cachecol que a aquecia, e estava ele. Os seus olhares eram duas fontes que se cruzavam entre e entre si, formando um caminho único e impossível de interromper. As suas mãos entrelaçadas a alguma parte de cada um, tendo-se um ao outro. Voavam por cima da multidão, sem ver o mar de gente que corria apressada, sem ouvir o murmúrio das gentes que falavam alto, entusiasmadas. Sem cheirar o Inverno que enregelava a cidade e as crianças pequenas. Sem sentir o chão por baixo dos seus pés. Ali estavam. Ali ficaram. Fumava um cigarro e não me apercebi de que observara tudo aquilo que era tão pouco. E pensava ‘cada pessoa é um mundo’. Pensava ‘quantos mundos existirão dentro de um só mundo?’ E quantas coisas existem dentro de si mesmas?

Fumo, poeira. Pó, cigarros no chão, ofuscância de luzes que passam entre mim à medida que passam as gentes. Boinas, casacos de Inverno, cheiro a castanhas no ar. Crianças, observando as folhas que caem das árvores que ainda as têm. E que contemplam uma àrvore que ainda tem folhas que caem, agora e agora. Outra e outra vez. O casal continua ali, no mesmo sitio, abraçado como se nada acabasse hoje. Na verdade, hoje acabaria alguma coisa. Hoje, aquela árvore acabaria por ficar sem vestígio de folha. Hoje, as crianças acabariam por se deitar cedo, porque amanhã é outro dia e o de hoje há de acabar. Hoje, a mulher de vestido preto e batom escarlate acabará por tirar o seu batôm, limpando-o ou fazendo com que ele se desgastasse de alguma forma, até voltar a ser apenas um corpo de mulher sobre uma cama onde acabaria por dormir, hoje. Sem vestido, sem batôm. Talvez aquele homem acabasse por me pedir desculpa, ainda hoje. Talvez não. Mas o que parecia sentir aquele casal, não acabaria nunca. Pelo menos, não para mim. Assim, tirava uma fotografia, ainda que só em pensamento, do que julgava não existir. Assim pensei que talvez nem tudo acabasse hoje, claro. Mas um dia, eventualmente. E desejei que o amor de ambos não acabasse, nunca. Atrevera-me a proferir uma das duas palavras que não entendo, que não aceito. Que teimo em não dizer ou pensar. Sempre e nunca.


Sinto um leve toque nas minhas costas. Olhei. Atrás de mim e agora à minha frente, está um homem alto, de cabelo aloirado que reflecte luzes de Natal, incandescentes e cansativas. Agarrou-me numa mão. Disse-me: ‘Desculpa’. Eu páro, paraliso e continuo a andar. Ele agarra-me pelo braço, sem brusquidão. Entreolhámo-nos, eu disse ‘Não faz mal’ e tentei seguir. Segui, andando. Desta vez era ele quem ficara parado, como quem leva um forte encontrão sem que haja um pedido de desculpa por parte de alguém. E tocava uma música de fundo que não me sairia da cabeça. Não enquanto não esquecesse aquele encontrão. Não enquanto me lembrasse daquele pedido de desculpas. E por uma e outra vez, entrolhávamo-nos, procurando as nossas faces, por entre a multidão de gente que não parava, afastando-nos aos poucos.